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Heraldica na Vila de Cascais

2024, SEIXAS, Miguel Metelo de,  Heráldica na Vila de Cascais, Cascais, Câmara Municipal de Cascais

Abstract

A primeira inferência a retirar deste livro prende-se com um traço constante dos emblemas heráldicos observados, desde os mais remotos até aos mais recentes: todos funcionam como instrumento não apenas de identificação de um indivíduo, uma família, uma instituição ou uma entidade abstracta (pense-se nas armas de Cristo ou da Paixão), mas também como forma de comunicação visual num determinado contexto. Contexto político e institucional, que determina quem pode (ou deve) comunicar, onde e com que meios. Contexto social e cultural, que influi na natureza do sinal heráldico e no seu lastro semântico. Esta necessária contextualização significa que um determinado emblema heráldico, para além do valor simbólico que lhe pode ser atribuído de forma abstracta, tem necessariamente um valor específico em cada uma das suas manifestações plásticas, porque deve ser entendido como forma de auto-representação e de comunicação social. Com os emissores, meios, destinatários e observadores que caracterizam cada uma destas manifestações. Por isso, o presente percurso optou pela caracterização da heráldica cascalense em três períodos distintos. No primeiro, pudemos observar como, na Idade Moderna e na primeira Idade Contemporânea, a heráldica desta vila estratégica mas pobre girou em torno de escassos armígeros: a Coroa, antes de mais, como não podia deixar de ser numa praça desta importância; depois, a família que desde o final da Idade Média deteve o senhorio da vila; por fim, as instituições religiosas que formavam uma componente indispensável da sociedade pré-revolucionária. Haveria porventura outros exemplares, que permitissem talvez mitigar a exclusividade heráldica destas três entidades, mas não chegaram até aos nossos dias, sobretudo por causa do terremoto de 1755, que vibrou um golpe tão duro na povoação. No segundo período, a heráldica testemunha a regeneração da vila decadente, ocorrida na segunda metade do século XIX, projectada a partir de então como sede privilegiada de vilegiatura da alta sociedade portuguesa. Os sinais heráldicos disseminados pela vila dão conta de como a aristocracia de corte se apropriou dos seus espaços, moldando-os segundo um padrão de disseminação que tinha como epicentro a própria família real, propagando-se depois, em círculos concêntricos, pelas casas titulares, pela nobreza não-titular e pelos homens de finanças que se juntaram a esta elite, mimetizando os seus comportamentos sociais e culturais – inclusive no que se reporta ao uso de emblemas heráldicos. No terceiro período, a heráldica prolonga ainda os usos cortesãos da época anterior; mas vai-se gradualmente impondo um outro padrão, focado numa dimensão institucional. Os emblemas que, a partir de então, se inscrevem no espaço urbano prendem-se essencialmente com a afirmação da Câmara Municipal e de vários organismos do Estado, como a Capitania do Porto, Guarda Fiscal e Centro de Instrução de Artilharia Anti-Aérea de Cascais. Sem esquecer, neste período como no anterior, os exemplares que têm valor evocativo, quer num espírito colecionista, quer num propósito homenageador. Dos três períodos citados, emerge uma constante: a relação privilegiada entre heráldica e espaço. Os emblemas heráldicos funcionam como expressões visuais enunciadoras de determinada posição social ou institucional, não apenas num sentido meramente representativo, mas para que tal posição se consubstancie efectivamente, por via da apropriação simbólica do espaço. Esta observação leva-nos ao ponto final do presente livro. O percurso pela heráldica cascalense revelou-se inseparável do estudo dos edifícios em que ela foi aposta. Neste sentido, verifica-se uma relação intrínseca entre o código heráldico e os propósitos subjacentes à arquitectura e ao urbanismo da vila. A rigor, não se pode compreender as manifestações heráldicas estudadas sem perceber para que fins e como foram concebidos os espaços e os edifícios em que elas se inserem. Mas o inverso é também verdade: deixar de lado a heráldica obnubila a compreensão da arquitectura e do urbanismo desta vila. Assim possa semelhante estudo revelar-se útil para aqueles que desejam compreender a história de Cascais.